domingo, 4 de março de 2012

A guerra mudou...


Num futuro não muito distante, num campo de batalha cansado, a guerra se torna rotina.


Um céu vazio, amarelado pela cor do deserto, cobre uma quente estrada cheia de pó. Corvos, ruínas, corpos e pobreza completam a paisagem por onde passa um caminhão cheio de soldados armados prontos para desembarcarem em mais uma das infinitas zonas de conflito existentes pelo mundo.

Snake: A guerra mudou. Não envolve mais nações, ideologias ou etnias. É uma série infinita de lutas por procurações entre mercenários e máquinas. A guerra e seu consumo de vida se tornaram uma máquina auto-suficiente. A guerra mudou. Soldados identificados geneticamente carregam armas identificadas geneticamente usando trajes identificados geneticamente. Os nanomachines dentro de seus corpos melhoram e regulam suas habilidades. Controle genético. Controle da informação. Controle emocional. Controle do campo de batalha. Tudo é monitorado e mantido sob controle. A guerra mudou. A era da dissuasão se tornou a era do controle... Tudo em nome de evitar uma catástrofe de destruição em massa. E ele, que controla o campo de batalha... controla a história. A guerra mudou. Quando o campo está sob total controle... a guerra se torna rotina.

O caminhão chega a um local repleto de atiradores de elite os atacando. Alguns sucedem em continuar, outros caem assim que descem do caminhão. Solid Snake, irreconhecivelmente velho, se esconde como pode no meio do tiroteio, sem nenhuma outra proteção. No chão, pega uma metralhadora para si, mas mal é capaz de puxar o gatilho por seus nanomachines não o identificarem como dono. Mais um caminhão de soldados está prestes a chegar ao local quando o motorista toma um tiro e bate fortemente contra os que já tinham chegado deixando todos os soldados gravemente feridos. Mais alguns chegam com lança-foguetes para destruir o local onde os atiradores estão localizados. No meio da confusão, Snake consegue achar uma arma que atire. Entretanto, segundos depois, no meio do campo de batalha, faz-se um silêncio amedrontador...
Três unidades de uma espécie de mini-Metal Gear saltam de uma boa distância em direção aos soldados que estão perto de Snake, caindo em cima deles e os matando na hora. Snake, numa fuga desesperada, corre em direção a umas ruínas do que foram casas uma vez e consegue os despistar. Os mini-Metal Gears, chamados Gekkos, são diferentes: a parte superior de metal é muito resistente a balas de armas de fogo enquanto suas pernas são compostas por uma espécie de tecido humano, que os dão mobilidade e agilidade incomum. Além disso, são comandados por inteligência artificial e não mais por um humano numa cabine.
Snake, debaixo das ruínas, descansava um pouco após a fuga quando percebe gotas de sangue caindo do teto. Ao olhar para cima, ele percebe que há um Gekko escondido bem em cima da sua cabeça. Snake salta para desviar dos ataques desse robô perdendo seu disfarce, que não passava de uma capa, e corre subindo as escadas da casa que se encontra. O Gekko agarra sua perna, mas Snake consegue atirar no tentáculo que o prende e continuar a subir. Na laje, percebe que será cercado pelo Gekko que o segue e por mais um que vêm saltando de frente para ele. Apesar da destruição, é possível observar umas caixas de papelão que parecem conter alimentos. Ao subirem na laje, os Gekkos ficam confusos porque não acham mais Snake. Um deles esmaga as caixas de papelão e algumas melancias que estão dentro se quebram e outras rolam pela laje. Não encontrando Snake, os Gekkos desistem e vão-se saltando para longe. Uma melancia encosta na parede e a parede muda de cor. Na verdade, é Snake, encostado numa parede. Seu traje se camufla dependendo da superfície, adotando por último a cor da melancia.
Com uma pausa para respirar, ele acende um cigarro...



Três dias antes

Snake saúda Frank Jaeger em seu túmulo. Otacon desce de helicóptero para buscá-lo.




Snake: Otacon, mesmo os mortos podem ouvir.
Otacon: Snake, temos que partir. Tem um velho amigo seu esperando por você.
Snake: Otacon, os resultados do exame...
Otacon: A análise de proteoma (125) deu positiva, mas a análise de RNA mensageiro (126) deu negativa. A pele enrugada, as artérias enrijecidas... seus sintomas de envelhecimento precoce se parecem com a clássica síndrome de Werner (127), mas nenhum dos exames pôde apontar uma causa.
Snake: Então...
Otacon: Bem... julgando pela velocidade que o envelhecimento tem progredido, eu diria...
Snake: Um ano, no máximo, certo?
Otacon: Sim... Snake... vamos tentar outro médico.
Snake: Não vai fazer diferença, eu não sou um homem normal pra começar. Sem mencionar o FoxDie.
Otacon: Tem razão. E nem sabemos onde está a Naomi...
Snake: Naomi...

Ao chegar ao helicóptero, Snake é recepcionado com um sorriso do engravatado Campbell.

Campbell: Ah, Snake!
Snake: Coronel, que bom vê-lo!
Campbell: Bem... eu não sou mais um coronel, Snake.
Snake: Pensei que o único lugar onde veria você vestido desse jeito seria no casamento da sua filha. O que tem feito?
Campbell: Estou trabalhando para uma organização sob comando do Conselho de Segurança das Nações Unidas... no time de análise e avaliação do Comitê de Inspeção e Supervisão de PMC.
Snake: Lembro que a resolução foi aprovada uns anos atrás.
Campbell: Snake, consegui umas informações no meu trabalho.
Snake: Ãhn?
Campbell: Nós o encontramos... No Oriente Médio.
Snake: O quê?!
Campbell: Eu explico no caminho. Precisamos pará-lo... agora... antes que seja tarde demais.
Otacon: Liquid fez sua manobra... e o encontramos.
Campbell: Está preparado para levantar sua insurreição. Está aguardando numa zona de guerra no Oriente Médio. Persiga-o até o fim.


O helicóptero decola para longe do cemitério...



Sunny: Só dois ovos hoje? Solidus deve ter tirado o dia de folga... 7892590360, 3305305... 4882046652...

Sunny, uma pequena garotinha, está no segundo andar de um enorme avião cantando uma melodia composta por números enquanto frita ovos. No andar de baixo, Roy Campbell, Hal Emmerich e Solid Snake conversam. Também no andar de baixo, é possível ver três gaiolas, cada gaiola com uma galinha. Seus nomes são Solid, Liquid e Solidus.

Campbell: O incidente em Manhattan desencadeou uma reação pública séria. Agora, os Estados Unidos precisam pensar duas vezes antes de intervir militarmente nos conflitos de outros países. Isso acelerou a privatização militar, com as PMCs no coração do movimento.
Snake: PMCs... Companhias militares privadas.
Campbell: Exato. As PMCs não possuem bases em nações ou ideologias. São empresas privadas visando lucros. Além de despachar mercenários para zonas de guerra, provêm armas e treinam soldados locais. São os próprios empregadores da guerra e o negócio é bom. Dentre seus clientes estão incluídos nações desenvolvidas como os Estados Unidos, facções rebeldes em busca do poder pela força, pequenos países sem exército próprio e até grupos terroristas. Estão na América, Ásia, Pacífico Sul, Europa, África, Oriente Médio... A ascensão das PMCs gerou uma guerra feita por procurações e está se expandindo através do globo.
Sunny: Eles, eles estão...
Otacon: Sunny, vamos comer depois, tudo bem?
Snake: Toda era tem seus mercenários. Essas PMCs não são novidade... estamos lidando com elas desde a virada do século.
Campbell: Não, Snake. Elas não são como os mercenários do passado.
Sunny: Estão prontos.
Otacon: Desculpe, estou um pouco ocupado agora...
Campbell: O Sistema de controle de campos de batalha do Pentágono produziu uma diferença decisiva entre os assassinos de aluguel e as PMCs de hoje. O Sistema foi desenvolvido pela ArmsTech Security.
Snake: ArmsTech? Você diz a AT Corp?
Campbell: De uns tempos pra cá, a AT Corp mudou seu foco do desenvolvimento de armas para ferramentas de segurança. E desde o estabelecimento da AT Security, o negócio está em forte ascensão. O Sistema é capaz de integrar não somente informação em nível micro de soldados individuais e unidades, mas também informação em nível macro sobre condições de campo e ordem de batalha.
Snake: Então finalmente alcançaram o controle do campo de batalha em tempo real?
Campbell: Exatamente. E como resultado, a presença global das PMCs cresceu explosivamente. A verdade é que o crescimento das PMCs controladas por sistema levou a um declínio nas casualidades civis e nas violações de direitos humanos no campo de batalha.
Snake: Um campo de batalha mais limpo, mais seguro. Dá uma boa propaganda.

Sunny, frustrada por não conseguir a atenção de Otacon, Snake e Campbell, sobe com os pratos de ovos para onde cozinhava e encontra um maço de cigarros escondido no exaustor. Ela volta para a escada e grita com Snake.

Sunny: Snake, você estava fumando de novo, né? É proibido fumar nesse avião!
Campbell: Ainda não acabou. Os governos de estado e os grupos rebeldes não conseguem se entender no preço de manutenção das forças de ocupação. As PMCs, por comparação, são confiáveis, fáceis de usar. Não demorou muito para que todos dependessem delas em seus lucros. O resultado disso é que houve um declínio dos exércitos normais em todo o mundo. É difícil de acreditar, eu sei, mas as PMCs estão começando a ultrapassar os exércitos convencionais em termos de escala. Atualmente, são as PMCs que são consideradas os batalhões padrão. Já são mais de 60% de todas as forças combatentes em zonas de conflito.
Snake: 60%...
Campbell: É fato é que o mundo depende amplamente das PMCs para financiar suas guerras.
Snake: Imaginei que as Nações Unidas que autorizavam as PMCs em primeira instância.
Campbell: Os Estados Unidos se abstiveram da votação na resolução. O efeito disso é que Washington estava suportando as PMCs sem nunca revelar suas intenções reais. Até que souberam da rebelião.
Snake: Os Estados Unidos exportaram muito poder militar e agora estão pagando o preço.
Campbell: É exatamente isso. Os Estados Unidos tornaram a guerra numa forma ativa de economia. Os analistas a chamam de "economia da guerra", que está tomando lugar do mercado de petróleo decadente e sem liquidez. Mas eu, como pessoa, não pretendo simplesmente esperar e assistir isso acontecer. Para as PMCs, a expansão do mercado é conseqüência do sopro das chamas da guerra. Significam mais refugiados.
Snake: Órfãos de guerra. Crianças guerreiras.
Campbell: Sim. Com a especialização dos soldados das PMCs, são cada vez mais jovens.
Snake: Mercenários fora de exércitos de estado, armas de controle remoto, crianças se tornando soldados... lutas por procuração numa nova Guerra Fria.
Campbell: Existem centenas de PMCs em atividade ao redor do mundo e os números estão crescendo. Atualmente, cinco delas são grandes o bastante para serem classificadas como potências globais: duas nos Estados Unidos, uma na Inglaterra, uma na França e uma na Rússia. Um reconhecimento revelou que essas cinco PMCs são dirigidas por uma corporação não-oficial que age como uma companhia mãe. O nome dela é... Outer Heaven.
Snake: Outer Heaven? Você que dizer...!
Campbell: Isso mesmo... É o Liquid.
Snake: Liquid...
Campbell: Ele assumiu o controle desse exército imenso e agora está se preparando para proclamar a insurreição.
Snake: Eu assisti à morte dele...
Campbell: A vontade dele vive... no corpo do homem que um dia conhecemos como Ocelot... Ele pretende soprar as chamas da guerra pra que elas queimem cada vez mais altas... para criar o mundo perfeito uma vez concebido por Big Boss.
Snake: O mundo onde soldados sempre terão um lugar...
Campbell: Ele precisa ser parado... antes que seja tarde demais. Você entende, Snake? Por qualquer meio que se faça necessário. Contenha a insurreição do Liquid, mesmo que isso signifique matá-lo.
Snake: Matá-lo? Você quer o Liquid morto, não é Coronel?
Campbell: Sinto muito. Eu sei... isso não é justiça. É um tratado secreto, um serviço, uma operação suja visando o comandante de uma grande corporação multinacional.
Snake: Por que eu?
Campbell: Por causa do poder militar das PMCs e dos efeitos que possuem na economia. A guerra é para o século 21 o que o petróleo foi para o século 20: o pilar que suporta a economia global. Você deve se lembrar bem de um relatório alarmante lançado por aquele grupo americano, um que descreve um modelo de guerra perpétua. O que estamos enfrentando agora é um jogo completamente novo.
Snake: A "Delphi technique" (128) de Iron Mountain (129)...
Campbell: Isso era ficção, só existia no papel. A realidade é bem mais séria. A comunidade global está preocupada, mas ela tem tanto medo da economia da guerra colapsar para fazer alguma coisa. E as Nações Unidas também.
Snake: Parece que foi desenhado pra mim.
Campbell: Snake, essa missão não é ordem de Washington como nos velhos tempos. E também não é nada que as Nações Unidas podem sancionar oficialmente. Mas não podemos simplesmente fingir que não enxergamos Liquid planejar sua insurreição. Se falharmos, ele vai se tornar a maior ameaça que o mundo já enfrentou. Snake, você é o único homem em quem posso confiar.
Snake: Tudo bem. Vamos ouvir.
Campbell: Nossa inteligência sobre a insurreição do Liquid vem originalmente dos relatórios das Forças Armadas dos Estados Unidos que foram mobilizadas depois que reportamos nossas pistas para as Nações Unidas. Rastrearam os movimentos do Liquid e, 18 horas atrás, o acharam no Oriente Médio.
Otacon: Há um exército rebelde no Oriente Médio constituído de uma minoria étnica exigindo direitos humanos do regime em questão. O coração do exército desse regime é provido por uma das PMCs que Liquid controla.
Snake: E os rebeldes?
Campbell: As milícias locais contrataram um pequeno número de operadores como treinadores e comandantes de campo. E claro, eles têm apoio das PMCs locais.
Otacon: Exato. Uma guerra feita por procuração entre assassinos de aluguel.
Campbell: PMC versus PMC. Uma guerra embaraçosa. Vítimas típicas da nova economia da guerra. Snake, você vai se infiltrar na zona de conflito via um caminhão de transporte... disfarçado como um dos operadores contratados pelo exército rebelde. Seu objetivo primário é entrar em contato com nossos informantes, RAT PT 01, Rat Patrol Team 01. Estarão esperando por você.
Snake: Time de Patrulha Rato 01... Realmente soa bem secreto...
Campbell: É uma equipe das Forças Especiais associada à unidade de investigação da PMC do Exército CID.
Snake: CID, Comando de Investigação Criminal... Os verdadeiros ratos do Exército.
Campbell: Não, eu posso garantir pessoalmente.
Snake: Seus amigos?
Campbell: Digamos que sim. O transporte para a área será provido pela missão de ajuda humanitária das Nações Unidas com suporte dos Estados Unidos. Dali em diante, você não vai ter proteção e nenhuma garantia de ninguém. Você não deve deixar qualquer evidência de seu envolvimento na área. Se uma palavra disso vazar, vamos acender uma explosão global. Snake... você pode fazer isso por mim? Você pode matar o Liquid?
Snake: Não sou como as PMCs. Não preciso do seu dinheiro.
Campbell: Obrigado.
Snake: Mas se você quer acender alguma coisa, acenda isso.

Snake coloca um cigarro em sua boa e o aponta para Campbell, que prefere ignorá-lo a responder.


Snake: Tudo bem. Vou acender meu próprio fogo.

Um comentário:

JARMESON TIAGO disse...

Parabéns ....foi uma ótima leitura pra mim.... vlw por postar.